"Senhor Presidente, quero a eutanásia"

"Senhor Presidente, quero a eutanásia"

Diário de Notícias - Portugal 26/set/2006

Fernanda Câncio

"Eu amo a vida, senhor Presidente. A vida é a mulher que te ama, o vento nos cabelos, o sol no rosto, um passeio nocturno com um amigo. Vida é também a mulher que te deixa, um dia de chuva, o amigo que te trai. Não nasci melancólico nem maníaco-depressivo - morrer faz-me horror, mas aquilo que me resta já não é vida - é só um insensato encarniçamento em manter activas as funções biológicas. O meu corpo já não é meu..." Estas palavras de Piergiorgio Welby, de 60 anos, a sofrer de distrofia muscular há décadas, endereçadas ao presidente italiano através de um vídeo difundido na TV, convenceram o Chefe do Estado a pedir um debate sobre a eutanásia.

"Só o silêncio sobre este assunto será injustificável", disse a propósito o Presidente Giorgio Napolitano, que se confessou "tocado, como pessoa e como presidente", numa missiva de resposta a Welby tornada pública no sábado. As reacções da "católica Itália" (como se lê nos takes das agências ) não se fizeram esperar. A ministra da Saúde, Livia Turco, declarou não estar de acordo "com essa solução" (a eutanásia) e esperar que o assunto não se resolvesse "com um referendo popular a favor ou contra". Já a deputada católica do centro-esquerda Paola Binetti afirmou que "os doentes não querem morrer, mas poder viver o melhor possível e ter ao seu lado alguém que saiba avaliar por eles a ajuda e o tratamento de que precisam".

Mas Piergiorgio Welby, a quem na adolescência foi diagnosticada a doença que desde há dois meses e meio o impede de respirar pelos seus próprios meios e lhe reduziu a existência à completa imobilidade, ao silvo do ventilador e "à espera de um comprimido para dormir na esperança de não mais acordar", sabe exactamente o que quer. "O meu sonho, senhor Presidente, a minha vontade, o meu pedido, está hoje na minha mente mais claro e preciso que nunca: poder obter a eutanásia. Que também aos cidadãos italianos seja dada a possibilidade que é concedida aos suíços, aos belgas, aos holandeses."

"mantendo-o vivo, mesmo sem poder viver..."

"Meu corpo treme em silencio,
Latente, no escuro deste quarto
Onde paira o ar pesado, suspenso,
Na morbidez de um sentimento harto...

Agora, o que sobrou de mim?
Não consigo encarar ao espelho
Estou vivo, mas esperando meu fim,
Ligado há vários aparelhos...

Outra vez meu dia virou noite,
E meu corpo já cansou de sofrer
A vida tem me levado à base de açoite,
Agora só espero o momento de morrer...

Mas estou lúcido, só queria que soubesse,
Que com sua lágrima, eu sigo agonizando
Preza a minha garganta, ela não desce,
Então acabo por você também chorando...

Há um anjo aqui, sobre o mármore frio
E somente eu posso ver ele
E só ele sabe, que você me põe opróbrio,
Ao notar as chagas da minha pele...

Dói, dói tanto que até a alma sente,
Tento gritar, mas sei que não posso
Fechei-me para o mundo, e dele estou ausente,
Neste meu desespero tão acosso...

Eu sei que me prendi a vida,
Muito mais do que eu devia
Mas queria voltar ao ponto de partida,
E poder ver que ao seu lado eu seguia...

Com um peito que sangra, na mísera ilusão,
Ao pensar que ainda pode me fazer viver
Mas aparelhos matem vivo apenas meu coração,
Porque a alma já se pôs a morrer...

E não quer viver pelo mal fadado,
Desestimulado, por esta distanásia
Então peço a Deus, que livre do pecado,
A quem me presentear com a eutanásia...

Já passou minha hora, estou desfigurado,
Não reconheço essa maneira de viver
Ouvindo meu coração, há um aparelho ligado,
Mantendo-o vivo, mesmo sem poder viver..."

Poema públicado em Luso-poemas

 
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